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“Um homem não morre quando deixa de existir e sim quando deixa de sonhar”.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

DIVIDINDO A POBREZA

Por Nélio Palheta

É inquietante a falta de debate sobre a divisão do Pará.  A questão  é muito séria! Porém não se evitou que os plebiscitos de criação dos Estados de Carajás e Tapajós fossem aprovados em uma sessão da Câmara Federal com baixo quórum, e por meio do voto de liderança. Isso é muito grave!
Embora o assunto não seja novo na mídia, nem no parlamento, é incrível a apatia geral. O governo do Estado tem a obrigação de promover ou fomentar um grande e profundo debate - democrático, pedagógico, enriquecedor. E não só o Pará precisa discutir isso, mas o Brasil, afinal de contas somos uma federação.
Até aqui, a divisão territorial está posta apenas pelo viés político. Esvaziado de leituras mais densas, reduz-se ao mesmo jogo de interesses políticos, partidários e pessoais que regem as campanhas eleitorais.
Bem, é no campo da política que de deve por a questão, sim. Mas qual política?  Errado é reduzir tudo a essa arte estando em jogo uma cadeia de questões econômicas e financeiras. A sociedade precisa ser esclarecida para não ser vítima da superficialidade e manipulação das informações; da simples emoção que até aqui tem regido as manifestações, principalmente quando se defende a independência para corrigir distorções da gestão centralizada na capital, Belém – por consequência, da tão criticada falta de presença do Estado em quantidade e qualidade nos rincões do sul, sudeste e oeste paraenses.
O discurso está, até agora, somente com as lideranças autoproclamadas do divisionismo, cada qual com o seu interesse na área que julgam dominar em breve.  Logo, é um discurso passional por natureza; casuísta, superficial. E demagógico por osmose com as eleições tradicionais. Demagógico no melhor significado dessa palavra: sabemos que é a hegemonia que essas lideranças perseguem - pressuposto quase sempre imoral por parte daqueles que querem os cargos dos novos Estados para exercerem o poder em nome das multidões - conquista ambiciosa e quase sempre corrupta; o poder desprovido de virtudes propositadamente, pois em geral as pretensões escondem objetivos escusos. Mera filosofia? Estamos cheios das jogadas políticas que se apropriam de valores inarredáveis da natureza humana: o homem tem o desejo de felicidade (os políticos também dizem desejar); de justiça (é o que os políticos propalam) e de verdade (afirmam a mesma coisa, mas agem ao contrário). Os políticos, raras exceções, ignoram tudo isso e com eles a ciência política perde suas virtudes também.
Duvido que alguns dos que defendem a criação do Tapajós conheçam a história de conquista daquele território pelos colonizadores e missionários, também presentes nos vales do Tocantins e do Araguaia.  Não que seja preciso conhecer a história, mas dispensá-la é como ignorar a necessidade de uma boa literatura, de se ler os clássicos e beber na sabedoria dos grandes ideólogos políticos para se compreender a realidade humana. Ou melhor, política. Qual político está preocupado com isso? O modelo mental que costura o processo são apenas os políticos-eleitorais. Querem reduzir tudo ao SIM x NÃO plebiscitários. Sem debate, melhor.
Para ser mais objetivo, é de se duvidar que essas lideranças estejam preocupadas com os custos do retalhamento geográfico, econômico, financeiro do Estado. Enfim, com a melhoria de qualidade de vida.  Então, é mais fácil achar que o território paraense é muito grande, suficiente para comportar quantas Unidades federadas seja possível para satisfazer a voracidade política. Alguém tem dúvida que foi esse o modelo que regeu a divisão do Tocantins e Mato Grosso? Ora, se tamanho de território fosse fator de desenvolvimento econômico, o Piauí e o Acre seriam dois estados primorosos.
A verdade é que o Pará já não comporta os interesses de todos os grupos políticos. E não suporta mais os muitos projetos individuais, a vontade de tantos se darem bem (com ou sem mandato). O poder é um fenômeno que pode ser também explicado pela física: não cabe mais de um corpo no mesmo espaço, principalmente quando esse espaço é o da política e a conquista do poder é costurada pela cobiça, pelo dinheiro, vislumbrando-se e enriquecimento fácil que muitos acreditam tirar da criação dos dois Estados. E se um Pará só não está sendo suficiente, resta o divisionismo a qualquer preço, preferencialmente com a sociedade passando ao largo das discussões.
O que se tem produzido como discussão sobre a divisão do Pará é emocional e interesseiro. Quanto mais território autônomo, mais cargos; mais podres institucionais para criar; cadeiras no parlamento para ocupar; vagas para preencher a nomeação de cabos eleitorais e apadrinhados. E mais possibilidades dos líderes se darem bem. Essa é a história do Brasil.
E nós, daqui, da banda atlântica do Pará, que pelas projeções ficaremos com o pedaço mais pobre do Pará – e de ganho o Marajó, mais pobre ainda. Estamos com síndrome de avestruz. Acredito que muita gente gostaria de participar de alguma forma, mas carecemos de informações suficientes para defender a unicidade. Ou acatar a divisão se for irremediável, diante das mudanças econômicas, da transição da história, da realidade social e da gestão do território – esta responsável em parte pelo espírito divisionista. É justo reclamar a “ausência do poder público” nos confins do Xingu, nas entranhas do Tapajós, nos barrancos do Tocantins, na indomável Terra do Meio.  Mas, assim, no seco, na lata, não dá para aceitar tudo transcorrendo sem que se conheçam as variáveis, os fatores, o real dessa campanha que no Tapajós não é de hoje, como açodada é a proposta de Carajás.
Onde está o governo do Estado nesse cenário? Pequenas aspas oficiais noticiário deixam mais dúvidas do que esclarecimentos, mais angústia do que convicção e convencimento da justeza das causas de futuros “tapajônicos” e “carajaenses”. O discurso da democracia - a sociedade é livre para decidir o que ela quer - é muito fácil e genérico. É mero discurso.  É prosélito. É preciso algo mais. 
Onde estão as entidades representativas?  Ora, estas também não querem perder sua fatia de poder cabalado junto às congêneres e afiliadas em todos os territórios que pretendem se emancipar. É da natureza do poder.  Quem quer perder espaço? Todavia, no caso em tela, perde-se quase tudo de qualquer maneira. 
O noticiário da imprensa tem se limitado ao factual (superficial, diga-se de passagem) e as opiniões são mais pontuais ainda. Anódinas e igualmente tíbias.  Nas academias, onde se acredita nascer o pensamento límpido e inteligente, cartesiano ou não, de lá parece que nada vem em profundidade.
No geral, há uma inquietante letargia. Não se trata de uma questão só do Pará, mas da Amazônia, do Brasil. Por que não?
O povo, coitado, esse ente que vira massa de manobra dos políticos, não sabe o que o aguarda – nem para o bem, nem para o mal. Já disse o IPEA, um dos institutos de inteligência e pesquisa do governo federal, que a divisão territorial do Pará é inviável do ponto de vista do custo de implantação e manutenção dos novos Estados. Alguém já ouviu algum político reverberar isso?  Onde estavam as lideranças paraenses – com e sem mandato – no dia em que a Câmara pôs na pauta a divisão do Pará? 
Esse é um assunto para se falar em todos os fóruns; em todos os níveis; até nas igrejas e nos ônibus; lares, fábricas e escritórios. Nas faculdades e escolas principalmente.  E nos legislativos. Mas..., a tomar como exemplo o desempenho e da ética dos nobres deputados e dos vereadores..., deles é que não se pode esperar muita coisa. Embora tenha anunciado debater a questão, é fato que a Assembleia Legislativa do Pará está mais preocupada em tapar o sol para encobrir os desvios financeiros, as falsas folhas de pagamento e seus fantasmas.
Na internet, onde estão as tais redes sociais?  Tão boas para fofoquinhas e até para dar a notícia, antes de qualquer meio de comunicação, da morte do terrorista saudita, estão ausentes da questão. Dos “tuiteiros”, como de qualquer outra comunidade, não se pode esperar muito se não forem subsidiados e mobilizados como agentes de difusão de informações isentas e de qualidade.  Assunto é que não falta, a começar pela questão constitucional: Quem deve ou não votar nos plebiscitos? Uma boa coleção de artigos pode ser encontrada no blog
www.hupomnemata.blogspot.com. São conteúdos úteis para esse debate que não existe.
Ou se adota um posicionamento efetivo, amplo e popular para decidir democraticamente ou enfrentaremos a estupidez de dividir não exatamente o Estado, mas a pobreza.

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