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“Um homem não morre quando deixa de existir e sim quando deixa de sonhar”.

sábado, 7 de maio de 2011

José Sarney o Humorista

O avesso do avesso
Está bombando no YouTube e provocando acessos de gargalhadas e deboches um filme de sete minutos em preto e branco com o prosaico título Maranhão 66. Aparentemente é um documentário sobre a posse de José Sarney no governo do Estado, feito por encomenda do eleito. Mas é assinado por Glauber Rocha.
Com 35 anos, cabelos e bigode pretos, Sarney discursa para o povo na praça, num estilo de oratória que evoca Odorico Paraguaçu, mas sem humor, à sério, que o faz ainda mais caricato e engraçado. Sobre seu palavrório demagógico, Glauber insere imagens da realidade miserável do Maranhão, cadeias cheias de presos, doentes morrendo em hospitais imundos, mendigos maltrapilhos pelas ruas, crianças esquálidas e famintas, enquanto Sarney fala do potencial do babaçu.
Só alguém muito ingênuo, ou mal-intencionado, poderia imaginar que Glauber Rocha fizesse um filme chapa branca. Em 1964, com 25 anos, ele tinha se consagrado internacionalmente com Deus e o diabo na terra do sol e vivia um momento de grande prestígio, alta criatividade e absoluto domínio da técnica e da narrativa cinematográfica. E odiava a ditadura que Sarney apoiava.
Em Maranhão 66, a narrativa se estrutura na dialética entre as imagens da realidade dramática e a demagogia caricata do jovem político provinciano que está tirando do poder um velho coronel - para se tornar ele mesmo o novo coronel.
O filme dentro do filme é imaginar o susto de Sarney quando o viu. Em vez de filmar uma celebração vitoriosa, Glauber usou e abusou da vaidade e do patrocínio de Sarney para fazer um devastador documentário sobre um arquetípico político brasileiro. E uma pesquisa para Terra em transe, que filmou em seguida e hoje é considerado a sua obra-prima. Sarney foi a base para o líder populista interpretado por José Lewgoy, famoso como vilão de chanchadas.
Glauber dizia que o artista também tem de ser um profeta; mas a sua obrigação é de profetizar, não de que as suas profecias se realizem. O discurso de Sarney e as imagens de Maranhão 66 são os mesmos do Maranhão 2011, num filme trágico, cômico, e, 46 anos depois, profético.

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